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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Precisamos Falar Sobre Carolina Maria de Jesus




Muito se fala de Simone de Beauvoir e Frida quando procuramos por mulheres referencias na arte e no feminismo, toda mulher que segue-o (como eu e outras colunista da APMM) pelo menos uma vez durante a militância citou alguma frase de uma das grandes pensadoras e artistas internacionais. Aqui no Brasil bradamos Cecília Meirelles e Clarice Lispector, mulheres brilhantes, diga-se de passagem, mas pouco se fala de mulheres fora da alta sociedade branca, mulheres que cresceram na periferia e que além de carregarem as marcas de identidade de gênero feminina, levavam consigo o peso da cor numa sociedade elitizada e racista.


Carolina Maria de Jesus (14/03/1914 — 13/02/1977) é um exemplo dessas tantas mulheres a frente de seu tempo que foram esquecidas pelos livros de história e academias de letras. Ela era a filha bastarda de um homem e assim, pelo mesmo, foi tratada durante toda a infância, tendo apenas o amor de suas mãe, que além de Carolina tinha dois outros filhos ilegítimos. Aos sete anos teve seus estudos financiados pela esposa de um fazendeiro rico, abandonou a escola na primeira série, mas aprendeu a ler e escrever.


Com a morte de sua mãe, a jovem Carolina partiu para São Paulo, lugar onde, com suas próprias mãos, ergueu um barraco no alto do morro feito de latinha e papelão. Foi na coleta de papel que descobriu seu dom: A escrita. Quando encontrava um caderno velho ou uma revista, guardava como tesouro pois ali escrevia sobre seu dia-a-dia na favela.

As vezes eu ia na igreja Imaculada pedir pão. Quantas vezes a criança batia no meu ventre, quando chegava no meu misero barraco, deitava-me. Os vizinhos murmuravam "ela é sozinha deve ser alguma vagabunda". É crença generalizada que as pretas do Brasil são vagabundas, mas nunca impressionei-me com o que pensam ao meu respeito. Quando os engraçadinhos quiseram dizer-me graculas eu disse: Eu sou poetisa peço respeitar-me mais um pouco. 
Trecho retirado do livro: Onde Estaes Felicidade

 O diário de Carolina Maria de Jesus foi publicado em agosto de 1960. Ela foi descoberta pelo jornalista Audálio Dantas, em abril de 1958. Dantas cobria a abertura de um pequeno parque municipal. Imediatamente após a cerimônia uma gangue de rua chegou e reivindicou a área, perseguindo as crianças. Dantas viu Carolina de pé na beira do local gritando "Saiam ou eu vou colocar vocês no meu livro!" Os intrusos partiram. Dantas perguntou o que ela queria dizer com aquilo. Ela se mostrou tímida no início, mas levou-o até o seu barraco e mostrou-lhe tudo. Ele pediu uma amostra pequena e correu para o jornal. A história de Carolina "eletrizou a cidade" e, em 1960, Quarto de despejo, foi publicado.



A tiragem inicial de dez mil exemplares se esgotou em uma semana (segundo a Wikipédia em inglês, foram trinta mil cópias vendidas nos primeiros três dias). Embora escrito na linguagem simples e deselegante de uma pessoa sem muita instrução, seu diário foi traduzido para treze idiomas e tornou-se um best-seller na América do Norte e na Europa. Mas não foram somente fama e publicidade que Carolina ganhou com a publicação de seu diário: despertou também o desprezo e a hostilidade de seus vizinhos. "Você escreveu coisas ruins sobre mim, você fez pior do que eu fiz", gritou um vizinho bêbado. Chamavam-a de prostituta negra, que havia se tornado rica por escrever sobre a favela, mas que se recusava a compartilhar o dinheiro. Muitas pessoas jogavam pedras e penicos cheios nela e em seus filhos. A raiva dos vizinhos também teria sido motivada pela mudança de endereço de Carolina, para uma casa de tijolos nos subúrbios, o que foi possível com os ganhos iniciais da publicação de seu diário. Vizinhos se juntaram ao redor do caminhão e não a deixavam partir.


Fui no rio lavar as roupas e encontrei D. Mariana. Uma mulher agradável e decente. Tem 9 filhos e um lar modelo. Ela e o espôso tratam-se com iducação. Visam apenas viver em paz. E criar filhos. Ela tambem ia lavar roupas. Ela disse-me que o Binidito da D. Geralda todos os dias ia prêso. Que a Radio Patrulha cançou de vir buscá-lo. Arranjou serviço para êle na cadêia. Achei graça. Dei risada!... Estendi as roupas rapidamente e fui catar papel. Que suplicio catar papel atualmente! Tenho que levar a minha filha Vera Eunice. Ela está com dois anos, e não gosta de ficar em casa. Eu ponho o saco na cabeça e levo-a nos braços. Suporto o pêso do saco na cabeça e suporto o pêso da Vera Eunice nos braços. Tem hora que revolto-me. Depois domino-me. Ela não tem culpa de estar no mundo. Refleti: preciso ser tolerante com os meus filhos. Êles não tem ninguem no mundo a não ser eu. Como é pungente a condição de mulher sozinha sem um homem no lar. Aqui, todas impricam comigo. Dizem que falo muito bem. Que sei atrair os homens. (...) Quando fico nervosa não gosto de discutir. Prefiro escrever. Todos os dias eu escrevo. Sento no quintal e escrevo. 
Trecho do livro: O Quarto de Despejo

Me despeço do meu primeiro post na APMM com um convite: Precisamos falar sobre escritoras e personalidades brasileiras que foram esquecidas pelos livros. A história é contada, em sua grande maioria, pelos vencedores que no geral são homens brancos, ricos, da alta classe da sociedade e extremamente estudados. Convido-os a conhecer a história pela mão de pessoas que estão a margem da sociedade, pessoas que mesmo com tudo lutando contra a sua existência resistiram e mudaram o mundo em que viviam.